A QUE(M) SERVE A LEI ANTITERRORISMO?
NOTA DE APOIO À BLACK BLOC E REPÚDIO AO TERROR MIDIÁTICO
D. Alvim – Professor do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) e Doutor em Filosofia pela PUC-SP.
'A tática black bloc está longe de ser uma ameaça porque quebra vitrines, interrompe o trânsito ou afronta a polícia. A atual espetacularização e exploração da morte promovidas pela grande mídia é um recurso desesperado, fabricado para que não reconheçamos que “os mascarados” nos retiraram daquela zona de conforto na qual pensávamos que, ao menos desde o fim da Ditadura Militar, viveríamos um período de plena democracia e liberdade política. Essa certeza confortável permitiu que uma geração inteira imaginasse que podia abandonar a luta e “viver em paz”. Durante décadas, abandonou-se o engajamento a movimentos sociais que deveriam, no máximo, incluir ou adaptar as minorias e os marginalizados aos então inquestionáveis parâmetros do Estado empresarial e à lógica de mercado.'
'Hoje essa certeza caiu. Não só os antigos movimentos mesclam-se às novas táticas de luta na forma, por exemplo, de lutas lesbo/transfóbicas anti-capitalistas e classistas, como os dispositivos de tendência anarquista demonstraram que as lutas pelo pleno direito à cidade, contra o autoritarismo e pelo fim da truculência estatal estão apenas começando. Foi a partir do aparecimento das blocs que o monstro estatal, empresarial e policial saiu do armário e nos mostrou aquilo que não queríamos ver, aquilo que havíamos trancado com sete chaves: a face sombria da democracia brasileira. Aquela sensação anestesiante de uma vitória definitiva sobre o autoritarismo ruiu. Trata-se de um sentimento incômodo, pois precisamos reconhecer que a luta não acabou, que é preciso ir às ruas e resistir. Em 2013, boa parte dos verdes e amarelos descobriu que tinha medo (e com razão), enquanto outra parte, a ala negra, com ou sem medo, recusa-se a abandonar as ruas e aceitar as condições da democracia liberal excludente.'
'O poder de Estado é e será, sempre, mais forte? Provavelmente sim. No entanto, não é na derrota do aparelho estatal por meio da revolta armada ou na tomada direta do poder que apostam xs adeptos da tática black bloc (nunca foram essas as intenções dos "ocupas"). Se fosse isso, teriam aceito as ofertas de armamento feitas pelo tráfico ou se armariam por conta própria, ao invés de sair pelas ruas arriscando a vida carregando escudos improvisados, pedras e fogos de artifício (que correm sempre muito mais o risco de ferir um amigo, um expectador ou um membro pouco protegido da imprensa do que um policial vestindo o uniforme do choque). A tática, antes, tem a função de criar o evento que expõe o fascismo e a lógica empresarial do Estado, colocando a olho nu os limites estreitos da participação popular em nossas democracias. Ela indica outra via de resistência, diferente da revolta armada de tendência socialista/marxista e da participação representativa modulada de tendência liberal (e seus cartazes). Diante da brutalidade do Estado, da violência absurda da PM, do bombardeio de culpa e baixeza promovidos diariamente pelos meios de comunicação, o que não se quer de maneira nenhuma é reconhecer que existe, verdadeiramente, uma profunda coragem e convicção nesses meninos e meninas que arriscam suas vidas na esperança da mudança – no risco da mudança. Mudança no valor da tarifa, nas condições de mobilidade urbana, nos malefícios dos megaeventos, na lógica eleitoreira e excludente do aparelho estatal ou, mais genericamente, no enfrentamento do capital. Sim, isso tudo ocorre de forma embaralhada e nem sempre clara - mas ocorre! "Baderneiros", "bárbaros" ou "irresponsáveis" são termos preconceituosos, forjados para camuflar a intensidade da politização e do engajamento a que se entregam a grande maioria dxs adeptxs da bloc. Ideias como a de um líder financiador e manipulador surgem porque, desesperados, não queremos reconhecer neles os agentes políticos conscientes, dignos e corajosos que verdadeiramente são.'
'Uma luta desse tipo pode suscitar leis de exceção ainda mais duras e repressivas? Sem dúvida que pode. Mas de que adianta desfrutarmos de leis mais brandas e aparentemente democráticas se sua condição é um silêncio que, quando desafiado, revela rapidamente as condições de um estado de exceção permanente? Pra que servem essas leis, se sua condição é a obediência e a docilidade? Pra que serve essa democracia, se sua condição é a pacificação televisa, futebolística, midiática e policial das revoltas populares e das resistências? Não se quer viver a vida na condição de um silêncio prudente, mantido pelo medo de despertar o fascismo que descansa, confortavelmente, sobre a miséria de muitos.'

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